Vamos ser sinceros: Poucos conhecem o nome Edmund Burke
O nome dele foi me apresentado de passagem, algo sobre a Revolução Francesa, e eu, jovem demais para entender, pensei: “Nossa, que cara chato. Próximo”.
Parecia só mais um daqueles nomes empoeirados de um livro que a gente é obrigado a ler.
Um erro. Um erro fatal.
Após isso, tentando entender a maluquice do mundo atual – a polarização, a cultura do cancelamento, a certeza absoluta de cada lado –, eu tropecei nesse irlandês de novo.
E dessa vez, eu parei pra ouvir, o que eu descobri me deixou de queixo caído.
O cara não era um velho reclamão.
Ele estava a frente do seu tempo.

Edmund Burke em 30 Segundos (O Resumo pra quem tá com Pressa)
Se você precisasse explicar quem foi Edmund Burke num elevador, seria algo assim:
- Um estadista e filósofo irlandês que viveu no século XVIII.
- Considerado por muitos como o pai do conservadorismo moderno.
- Um crítico feroz e um dos poucos a prever o desastre da Revolução Francesa enquanto ela acontecia e todo mundo achava o máximo.
- Um defensor apaixonado da liberdade, mas com uma condição: que ela viesse com ordem e responsabilidade.
Basicamente, ele foi o cara que gritou “CALMA, PESSOAL!” enquanto todo mundo corria em direção a um penhasco com um sorriso no rosto.
O Contexto: Um Mundo em Chamas (e Burke com um Balde d’Água)
Para pegar a visão de Edmund Burke, você precisa entender o cenário.
Final do século XVIII. A Revolução Francesa explode. Paris está em festa.
A Bastilha caiu. A monarquia estava por um fio. Intelectuais por toda a Europa aplaudiam de pé. “É o triunfo da Razão!”, “O fim da tirania!”, eles diziam.
Parecia o maior evento da história da liberdade.
Mas, do outro lado do Canal da Mancha, em Londres, Burke olhava para aquilo tudo com uma desconfiança gigantesca.
Ele não via a libertação, ele via o caos. Ele via uma arrogância perigosa em demolir, da noite para o dia, todas as instituições, tradições e costumes que levaram séculos para serem construídos.
Enquanto seus colegas celebravam, ele sentou e escreveu sua obra-prima, “Reflexões sobre a Revolução na França”.
E nesse livro, ele basicamente previu tudo o que daria errado: o banho de sangue do Período do Terror, a perseguição, a instabilidade e, finalmente, a ascensão de uma ditadura militar (fala, Napoleão!).
Como ele acertou? Ele não tinha uma bola de cristal. Ele tinha um profundo entendimento da natureza humana.
A Grande Ideia de Burke: A Sociedade como um Contrato Sagrado
Na minha humilde opinião, a ideia mais poderosa de Edmund Burke é a de que a sociedade é um contrato. Mas não um contrato comercial, que você assina e rasga quando quer.
É um contrato muito mais profundo.
“A sociedade é, de fato, um contrato… Mas não deve ser considerado nada melhor do que um acordo de parceria em um negócio de pimenta e café… É uma parceria em toda a ciência; uma parceria em toda a arte; uma parceria em toda virtude e em toda perfeição. Como os fins de tal parceria não podem ser obtidos em muitas gerações, ela se torna uma parceria não apenas entre os que estão vivos, mas entre os que estão vivos, os que estão mortos e os que ainda hão de nascer.”
– Edmund Burke, em “Reflexões sobre a Revolução na França”
Puxa. Lê isso de novo.
O que ele está dizendo é que nós, os vivos, temos um dever sagrado. Recebemos uma “herança” – um idioma, leis, instituições, uma cultura – das gerações passadas.
Nossa missão não é queimar essa herança porque ela não é “perfeita”, mas sim cuidar dela, fazer melhorias prudentes e passá-la adiante, talvez um pouco melhor, para nossos filhos e netos.
O conservadorismo de Burke, portanto, é uma política de humildade. É reconhecer que somos apenas uma pequena parte de uma longa corrente.
Reformar vs. Demolir: A Metáfora do Jardineiro
Para Edmund Burke, um estadista deveria agir como um jardineiro, não como um engenheiro com uma motosserra.
- O jardineiro (o reformador conservador) respeita o ecossistema do jardim. Ele poda um galho seco aqui, arranca uma erva daninha ali, aduba a terra. Ele promove o crescimento orgânico, sabendo que mudanças drásticas podem matar a planta.
- O demolidor (o revolucionário radical) olha para o jardim e só vê os defeitos. Ele arranca tudo, passa o trator e tenta plantar um jardim “perfeito” do zero, com base num projeto teórico.
O problema, como Burke sabia, é que projetos teóricos raramente sobrevivem ao contato com a realidade da natureza humana.
Os Princípios de Burke para uma Sociedade Sã
Se a gente destilar o pensamento dele, chegamos a alguns princípios que são absurdamente relevantes hoje.
- Ame a Liberdade, mas a Liberdade Ordenada: Burke não era um absolutista. Ele apoiou a Revolução Americana, por exemplo.
Por quê? Porque ele via os americanos lutando para preservar as liberdades que eles já tinham como cidadãos britânicos, e não para criar um mundo novo do nada.
A liberdade, para ele, só existe dentro de uma estrutura de ordem, lei e moralidade. Liberdade sem limites é só outro nome para o caos. - Desconfie de Abstrações (e de Políticos com Planilhas): Cuidado com palavras grandiosas como “Justiça Social”, “Igualdade Absoluta” ou “O Povo”.
Burke argumentava que essas abstrações são perigosas porque podem justificar qualquer atrocidade em nome de um ideal.
Ele preferia focar nas realidades concretas, nas comunidades e nas pessoas reais. - A Importância das “Pequenas Pelotões”: Burke defendia que a nossa lealdade e nosso amor começam nas pequenas coisas: nossa família, nossa vizinhança, nossa igreja, nosso clube.
Essas são as “pequenas pelotões” da sociedade. É nelas que aprendemos a virtude e a responsabilidade.
Um Estado gigante que tenta substituir essas instituições locais acaba criando indivíduos isolados e fáceis de controlar. Assustadoramente atual, né?
Por que um Irlandês do Século 18 Ainda nos Assombra?
Porque a arrogância que Edmund Burke criticou nunca foi embora. Pelo contrário. Hoje ela vive online, 24 horas por dia.
A gente vê o mesmo impulso revolucionário na cultura do cancelamento, que tenta apagar o passado por não se encaixar nos padrões morais de hoje.
Vemos a mesma fé cega em “especialistas” que prometem resolver problemas complexos com uma única solução mágica.
Burke nos lembra de sermos céticos. De valorizarmos o que funciona. De termos a humildade de saber que somos anões sobre ombros de gigantes.
Entender o que é conservadorismo através de Burke é, no fim das contas, aprender a desconfiar de respostas fáceis e a valorizar a sabedoria difícil, conquistada a duras penas pela experiência humana.
Não é uma ideologia para te dar todas as respostas. É um temperamento para te ajudar a fazer as perguntas certas.
FAQ: Perguntas Frequentes sobre Edmund Burke
1. Edmund Burke era contra a Revolução Americana?
Não, pelo contrário! Ele foi um dos maiores defensores dos colonos americanos no Parlamento Britânico.
Ele via a causa americana como uma luta para conservar seus direitos e liberdades tradicionais como cidadãos ingleses, o que era totalmente diferente da Revolução Francesa, que ele via como uma tentativa de destruir toda a ordem social existente.
2. Qual a principal diferença entre Burke e Adam Smith?
Ambos são figuras chave do Iluminismo Britânico, mas com focos diferentes.
Adam Smith, o pai da economia moderna, focou na liberdade econômica e no funcionamento dos mercados.
Burke, embora também defensor do livre mercado, tinha um foco muito maior na importância da tradição, da religião, da moral e das instituições sociais como pré-requisitos para que a liberdade (inclusive a econômica) pudesse existir de forma estável.
3. Burke era de “direita”?
O espectro “direita vs. esquerda” como conhecemos hoje nasceu justamente da Revolução Francesa.
Burke, por sua oposição aos jacobinos radicais, é considerado o fundador intelectual da direita conservadora moderna.
Mas ele era um “Whig”, um partido que na época era considerado liberal e progressista em muitas questões.
Ele é uma figura complexa que não se encaixa perfeitamente nas caixinhas de hoje.
4. Qual é o principal livro para começar a ler Burke?
Sem dúvida, “Reflexões sobre a Revolução na França”. É sua obra-prima e o documento fundador do conservadorismo. Não é uma leitura fácil, mas é transformadora.
5. O conservadorismo de Burke é a mesma coisa que o conservadorismo que vemos hoje?
Sim e não. Os princípios fundamentais de Burke – prudência, respeito à tradição, ceticismo com utopias, defesa da liberdade ordenada – são a base de praticamente todo conservadorismo sério até hoje.
O que muda são as aplicações desses princípios aos problemas específicos de cada época.